Durante décadas, o construtivismo foi tratado como a grande revolução da educação. Professores, escolas e universidades adotaram o termo com entusiasmo e, muitas vezes, sem entender exatamente o que ele significava. Afinal, o que está por trás dessa teoria que prometia transformar o jeito de ensinar e aprender?
De um lado, há quem veja o construtivismo como o marco de uma nova era pedagógica, centrada no aluno, na autonomia e na construção ativa do conhecimento. De outro, há quem o acuse de ser o culpado pela queda da qualidade do ensino, um modismo teórico que se perdeu na prática das salas de aula.
Entre o mito e a realidade, o construtivismo ainda desperta paixões e polêmicas. Mas a verdade é que poucas correntes educacionais foram tão mal compreendidas, e tão mal aplicadas, quanto essa.
Mais do que uma metodologia, o construtivismo é uma visão sobre como o ser humano aprende. Uma proposta que desafia professores, gestores e famílias a repensarem o papel da escola, do erro e do conhecimento. Mas será que, depois de tantos anos, ele ainda faz sentido? Ou virou apenas um rótulo bonito usado em discursos pedagógicos?
Neste artigo da Ello Educar, vamos revelar o que há por trás do construtivismo: suas origens, seus acertos, suas falhas — e o motivo pelo qual essa teoria continua sendo tema de debate em pleno século XXI.
Origem e fundamentos do construtivismo
Para entender o construtivismo, é preciso voltar no tempo, mais precisamente ao início do século XX, quando Jean Piaget, um biólogo suíço curioso sobre o comportamento infantil, começou a questionar algo simples e profundo: como as crianças aprendem de verdade?
Piaget percebeu que aprender não é apenas receber informações prontas, mas construir significados. A criança, segundo ele, não é uma “folha em branco” esperando o professor escrever o conteúdo, ela é uma investigadora nata, que testa, erra, observa e reconstrói o próprio saber a cada experiência.
Essa visão rompeu com o modelo tradicional de ensino, centrado na memorização e na figura do professor como dono da verdade. No lugar disso, o construtivismo colocou o aluno no centro do processo, e o professor, como mediador e provocador intelectual.
Mas Piaget não foi o único a lançar luz sobre essa forma de pensar a aprendizagem. Lev Vygotsky, psicólogo russo, trouxe uma perspectiva complementar — e essencial. Para ele, o conhecimento não se constrói sozinho: ele nasce da interação social, da troca entre pares e da cultura em que o indivíduo está inserido.
Enquanto Piaget falava em construção interna, Vygotsky falava em construção compartilhada. E dessa união surgiu uma das ideias mais poderosas da educação moderna:
“Aprender é um ato coletivo. Ensinamos uns aos outros o tempo todo.”
Mais tarde, teóricos como Jerome Bruner reforçaram a importância da descoberta e da curiosidade como motores da aprendizagem. E assim, o construtivismo se consolidou como uma base teórica transformadora, inspirando práticas pedagógicas no mundo todo, do planejamento de aulas às políticas públicas de educação.
Mas se a teoria é tão fascinante, por que sua aplicação prática gera tanta confusão? É o que veremos a seguir.
O que deu certo: avanços e conquistas do construtivismo
Apesar das controvérsias, o construtivismo deixou marcas profundas e, em muitos aspectos, positivas, na educação contemporânea. Ele ajudou a transformar o modo como enxergamos o aprendizado e, principalmente, o papel do aluno na sala de aula.

Nas últimas décadas, vimos nascer escolas e metodologias que colocam a criança como protagonista do processo educativo. O que antes era uma sala de aula silenciosa, com carteiras enfileiradas e professor falando sozinho, deu lugar a ambientes vivos, colaborativos e cheios de experimentação.
O construtivismo inspirou práticas que hoje são consideradas essenciais, como:
- Aprendizagem por projetos: alunos investigam temas reais e constroem soluções, desenvolvendo autonomia e pensamento crítico.
- Metodologias ativas: o estudante aprende fazendo, testando, errando e refletindo — em vez de apenas ouvir e repetir.
- Avaliação formativa: mais foco no processo de aprender do que apenas na nota final.
- Educação personalizada: reconhecimento dos diferentes ritmos e estilos de aprendizagem.
Essas ideias também influenciaram a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e diversas formações de professores, reforçando a importância da aprendizagem significativa — aquela que conecta o conteúdo à vida do aluno.
Muitos educadores relatam resultados inspiradores: alunos mais participativos, criativos e engajados. Professores que, ao abandonar a postura de “transmissores”, tornaram-se guardiões da curiosidade.
E, talvez, essa seja uma das maiores conquistas do construtivismo: ter resgatado a essência humana da educação — o aprendizado como descoberta, como encontro e como construção coletiva.
Mas nem tudo são flores. Quando mal compreendido ou aplicado de forma superficial, o construtivismo pode se tornar exatamente o oposto do que propõe.
E é aí que começam as críticas.
As críticas: onde o construtivismo falha
Se por um lado o construtivismo revolucionou a maneira de pensar a aprendizagem, por outro, seu uso indevido e mal interpretado acabou gerando uma série de distorções que ainda ecoam nas escolas.
Muitos professores relatam que, em nome da “autonomia do aluno”, o construtivismo virou sinônimo de ausência de direção. A ideia de que o estudante “aprende sozinho” foi levada ao extremo, e o papel do professor, que deveria ser o de mediador ativo, foi enfraquecido.
Em algumas salas de aula, o construtivismo acabou sendo confundido com falta de planejamento. Atividades sem propósito, projetos desconectados e um excesso de liberdade que, em vez de estimular, gera insegurança e dispersão nos alunos.
Críticos também apontam que, em contextos de desigualdade, o construtivismo pode agravar as diferenças. Quando o ponto de partida de cada aluno é muito distinto, esperar que todos “construam” o conhecimento por conta própria pode reforçar desigualdades em vez de reduzi-las.
Além disso, há quem diga que o construtivismo, em sua forma mais pura, não oferece instrumentos suficientes para lidar com o ensino de conteúdos estruturados, como gramática, cálculos matemáticos ou fórmulas científicas.
Em resumo: o problema não está no construtivismo em si, mas na forma como ele é aplicado.
Quando mal compreendido, ele se transforma em uma caricatura, um “faça o que quiser” pedagógico que desorganiza o ensino e frustra professores e alunos.
Quando bem compreendido, é potente. Quando mal interpretado, é perigoso.
Por isso, o grande desafio da educação moderna não é abandonar o construtivismo, mas reaprender a usá-lo com intencionalidade e equilíbrio.
Leia também:
- Jean Piaget e seus estudos sobre o Desenvolvimento Infantil
- Desenvolvimento infantil de acordo com a Teoria de Vygotsky
Entre o mito e a prática: o que realmente funciona
Depois de tantas discussões, uma coisa fica clara: o construtivismo não é uma receita pronta — e talvez por isso cause tanta confusão. Ele não diz como ensinar, mas como o ser humano aprende. E essa é uma diferença gigantesca.

Na prática, o desafio é transformar essa teoria em ações pedagógicas concretas.
Não basta dizer que o aluno é protagonista; é preciso planejar experiências que o coloquem nesse papel. Não basta falar em autonomia; é necessário dar suporte, criar trilhas e orientar caminhos.
O que realmente funciona são as práticas híbridas, que unem o melhor dos dois mundos: a estrutura do ensino tradicional com a liberdade do pensamento construtivista. É o professor que conduz, mas deixa espaço para a curiosidade; é o aluno que experimenta, mas com direção e propósito.
Hoje, muitos educadores adotam esse equilíbrio de forma natural, mesmo sem rotular suas práticas. É o caso das escolas que combinam metodologias ativas, projetos interdisciplinares e acompanhamento constante do progresso do aluno. Essas experiências mostram que o construtivismo não precisa ser uma ideologia, mas uma ferramenta de reflexão e aprimoramento.
Mais do que escolher um “lado” no debate, o caminho está em escutar o que cada teoria tem de melhor e adaptar à realidade de cada contexto escolar. Afinal, a educação não é feita de verdades absolutas, mas de aprendizados em construção.
E é justamente essa ideia, de movimento, descoberta e reinvenção, que mantém o construtivismo vivo até hoje.
Conclusão: mito, revolução ou modismo?
No fim das contas, o construtivismo continua sendo tudo isso ao mesmo tempo, mito, revolução e modismo, dependendo de como é compreendido e aplicado.
É mito quando usado como desculpa para a falta de planejamento.
É modismo quando vira apenas discurso bonito em reuniões pedagógicas.
Mas é revolução quando transforma o olhar sobre o aluno e o ato de aprender.
O verdadeiro poder do construtivismo está em nos lembrar de algo simples e, ao mesmo tempo, profundo: ninguém aprende de forma passiva. O conhecimento nasce do encontro entre o que já sabemos e o que ainda precisamos descobrir.
Por isso, mais do que uma teoria, o construtivismo é um convite permanente à reflexão. Ele nos chama a repensar o papel da escola, a ressignificar o erro, a valorizar o processo e a entender que ensinar é, acima de tudo, um ato de construção conjunta.
A educação brasileira não precisa escolher entre o velho e o novo, entre o tradicional e o construtivista. Precisa, sim, construir pontes — entre a teoria e a prática, entre a escola e o aluno, entre o saber e o fazer.
E talvez seja exatamente isso que Piaget, Vygotsky e tantos outros visionários queriam dizer desde o início:
“Aprender é transformar o mundo — começando por dentro.”
Na sua escola, o construtivismo é vivido… ou apenas citado?
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